domingo, 7 de fevereiro de 2010

CLINT EASTWOOD




Antonio Carlos Egypto

Clint Eastwood vai chegando aos 80 anos de idade em grande forma como diretor. E permanece sendo um ator muito expressivo, também.

Seus trabalhos neste século XXI chamam a atenção para questões importantes da contemporaneidade, como o reconhecimento da diversidade e o necessário convívio que precisa existir nas diferenças. Além disso, questiona as verdades estabelecidas, desconstruindo-as, e deixa profundas reflexões aos norte-americanos, com seu egocentrismo de nação-potência e seu discutível patriotismo. Até mesmo a liberdade tão propalada no ideal americano sofre grandes abalos.

Em “Sobre Meninos e Lobos” (2003), por exemplo, ele lida com um verdadeiro tabu: os traumas de um homem que foi abusado sexualmente. Em “Menina de Ouro” (2004), a questão de gênero (masculino/feminino) aparece em cheio na história da menina que se dedica ao boxe.

Em “A Conquista da Honra” (2006), ele desconstrói o mito patriótico em cima de uma foto histórica da II Segunda Guerra Mundial, aquela que marcou a conquista da ilha de Iwo Jima aos japoneses, com soldados fincando a bandeira americana. Os envolvidos nesta história têm de suportar as fantasias, as mentiras e a propaganda patriótica em torno de uma conquista que, na realidade, deveria mostrar a determinação e a bravura dos soldados japoneses e das táticas do seu general, que resistiram numa batalha de 40 dias com poucos recursos, mas com uma vontade inabalável. É disso que trata “Cartas de Iwo Jima” (2006), a mesma batalha vista pelos olhos dos japoneses. Onde está a verdade? Que sentido tem o apelo patriótico? Heróis pode haver em toda parte e por que a nossa verdade será melhor que a deles? Em dois filmes primorosos, Clint Eastwood exercita seu questionamento e seu respeito pelo outro lado.

Se a liberdade dos soldados que fazem parte da tal foto, fincando a bandeira, já havia sido posta em questão, o que dizer da completa ausência de liberdade que o próprio Estado impõe a uma mãe, obrigando-a a dizer que uma criança encontrada é seu filho, quando ela, obviamente, sabe que não se trata do filho desaparecido? É o que acontece em “A Troca” (2007).

“Gran Torino” (2008) retoma o tema da compreensão da diversidade, com um personagem típico norte-americano (ele próprio em atuação), descobrindo que seus vizinhos orientais são gente que tem uma cultura própria e merece respeito, por mais que nos incomodem a sua simples existência, seus gostos e hábitos. Mais do que isso: precisamos deles e eles têm muito a nos ensinar. Nunca é tarde para aprender, como o já velho personagem que Clint encarna deixa claro.

Um olhar próximo para o outro que desconhecemos também está em seu filme mais recente, “Invictus” (2009). Aqui, é a África do Sul superando o “apartheid”, pela firme liderança de Nelson Mandela. A sabedoria do presidente eleito, depois de 27 anos na prisão, encarando o rugby, de origem branca e inglesa, como esporte nacional de um país que quer ser multirracial, impressiona. Uma vez mais, há heroísmo e vida inteligente do “outro lado”, no desconhecido, na diversidade.

Clint Eastwood é um cineasta de características clássicas. Em “Invictus” isso é muito evidente, não só na narrativa, sempre contada linearmente, mas também na estruturação da história, no uso dos picos de emoção e no suspense do tempo. A filmagem da disputa das partidas da Copa Mundial de rugby na África do Sul, em 1995, apresenta todos os lances emocionantes – e previsíveis – do estilo clássico. Mas funciona e muito bem.

Clint Eastwood se vale dos recursos clássicos do cinema e das possibilidades de que o cinema norte-americano sempre dispôs, para criar obras maduras, que dialogam com seu país, sua comunidade, os valores estabelecidos e que, mesmo ao tratar de alguns temas localizados, consegue dialogar com o mundo, emocionando as pessoas de todos os lugares.

São temas caros à contemporaneidade, numa abordagem ampla, ainda que a princípio não pareça, o que Clint Eastwood coloca na tela, que qualquer um compreende e pode parar para pensar.

2 comentários:

  1. Muito legal o comentário! Sou grande fã de Eastwood desde Os Imperdoáveis. Mesmo em filmes mais fracos dos anos 90, como o divertido Cowboys do Espaço, há questões importantes sendo tratadas, no caso, a velhice. Um ponto que me parece central, por se repetir várias vezes, é a discussão da noção de verdade. Ela aparece na visão extremamente pessimista sobre o mítico Velho Oeste em Os Imperdoáveis (crítica que ganha mais força vindo do também histórico Estranho Sem Nome); na foto posada de Conquista da Honra; na terrível "solução" do assassinato de Sobre Meninos e Lobos. Grande cineasta sem medo de botar o dedo na ferida.
    Além disso, muito legal o blog, já sou leitor habitual!
    Abraços!
    Nicolau

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  2. Ótimo "dossiê". Assim como o Nicolau, sou grande fã de Eastwood, desde a época em que estrelou "Três Homens em Conflito". Como diretor, é maduro, assertivo e provocador. É um dos maiores diretores americanos. Seus filmes nunca datados e exalam a necessidade de defender um ponto de vista objetivo, claro e sem meias palavras. Parabéns pelo texto! Camila.

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