segunda-feira, 11 de maio de 2009

DESEJO E PERIGO


 Antonio Carlos Egypto

Desejo e perigo (Lust, Caution) – China, Taiwan. Hong Kong, EUA, 2007.
Direção: Ang Lee. Com Tony Leung, Wei Tang, Joan Chen e Lee-Hom Wang. 157 min.

Segunda Guerra Mundial, 1941. A cidade de Xangai está nas mãos dos japoneses, que integram o Eixo, com a Alemanha de Hitler e a Itália de Mussolini. Há um governo chinês colaboracionista e, naturalmente, se organizam as forças de resistência.

De um grupo teatral sai uma célula de resistência que vai atacar colaboracionistas importantes. A atriz Wong Chia Chi (Wei Tang) viverá o papel da elegante senhora Mai Tai Tai para se infiltrar nas hostes inimigas. Isso dá ensejo a uma dupla e talentosa representação da jovem Wei Tang, que brilha no filme. Tanto quanto o já veterano Tony Leung (conhecido principalmente pelos filmes de Wong Kar Wai), no papel do Sr. Yee, um político com alto posto no governo colaboracionista chinês junto aos japoneses.

Uma história de desejo, amor e traição será vivida por eles. Parece banal? Aparentemente sim, mas não é. A trama evolui, gerando muitos lances surpreendentes, questões éticas, enquanto se mostram os modos de vida, comportamentos e valores, em meio a uma cuidadosa reconstituição de época. O filme envolve e encanta, enquanto a trama nos prende, e o tempo passa sem que se perceba. A agilidade da filmagem que, sem jogar areia nos olhos do espectador, mostra, sob os mais variados ângulos, climas e cores, o que se passa no interior dos personagens e no seu contexto externo. A sutileza das interpretações vai revelando os sentimentos e as ambiguidades, sem deixar de alimentar expectativas e segredos até o final da película.

Eu destacaria, em especial, uma cena: a do assassinato de um colaboracionista que descobre o que não poderia. Ali se mostra como uma morte não é uma coisa simples, nem fácil de acontecer. Não se morre facilmente, não basta uma facada, nem duas. Não estamos no terreno dos tiros certeiros que matavam índios às dúzias, como nos westerns tradicionais. Essa cena de “Desejo e perigo” nos remete a uma outra famosa cena de Hitchcock, em “Cortina rasgada”, quando uma morte demora a se consumar, com direito a cabeça metida em forno quente. Há também cenas de sexo muito belas, tomadas alternadamente por todos os planos e ângulos, percorrendo todo o ambiente onde se dá o relacionamento sexual, revelando o algo mais que existia ali, para além do planejado ou esperado.

Ang Lee, depois dos êxitos de “O segredo de Brokeback Mountain” e “O tigre e o dragão”, se volta para as suas origens chinesas para revisitar a história, valendo-se de um conto tão belo quanto cheio de dor e crueldade, de Eileen Chang. O resultado é cinema de qualidade e que deve obter boa comunicação com a platéia brasileira, além de trazer algumas informações que ajudam a esclarecer o lado oriental da Segunda Grande Guerra, menos conhecido por aqui.

A versatilidade do diretor é notável. Basta lembrar alguns de seus primeiros filmes, como “Comer, beber e viver” ou “Banquete de casamento”, que focalizam aspectos culturais da China (Hong Kong e Taiwan), dialogando com o mundo ocidental, até o já citado “Brokeback Mountain”, um faroeste gay bem norte-americano ou o tipicamente inglês “Razão e sensibilidade” ou ainda o drama intimista “Tempestade de gelo” , em contraste com o espadachim de “O tigre e o dragão”, para perceber que Ang Lee se move com desenvoltura pelos mais diversos universos cinematográficos. E, geralmente, se sai muito bem, como é o caso desse “Desejo e perigo”.

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